Pedido de revisão de dívida inscrita e precedentes vinculantes

Pedido de revisão de dívida inscrita e precedentes vinculantes

Por Nathalia Verônica Pires de Souza, Camila Campos Vergueiro e Rodrigo Dalla Pria

O Código Tributário Nacional, por veicular normas gerais atinentes à exigibilidade do crédito tributário, constitui o fundamento último de validade do pedido de revisão da dívida inscrita (PRDI), regulamentado pela Portaria PGFN 33/2018, em especial quando, em seu artigo 204, parágrafo único [1], reconhece a relatividade da presunção de certeza e liquidez do débito inscrito em dívida ativa.

Nesse contexto, o PRDI surge como um inovador mecanismo dialógico [2] de controle de legalidade no ciclo de concretização da exigência tributária, permitindo que o contribuinte se socorra diretamente da administração pública federal para opor-se à exigência do crédito tributário tal como posto na certidão de dívida ativa (CDA), sem que, para tanto, haja necessidade de arcar com custas processuais ou prévia prestação de garantia.

Diferentemente do que ocorre com o conhecido “pedido de envelopamento — cujo procedimento era desconhecido do contribuinte, e que, muitas vezes, sequer tem a oportunidade de ter apreciado seu requerimento o PRDI tem seu procedimento meticulosamente regulado pela Portaria PGFN 33/2018, que define-o com refinamento, (1) fixando prazo de resposta — até 30 dias do primeiro dia útil seguinte ao seu protocolo —, e (2) indicando os fundamentos que nele podem ser alegados. Tais fundamentos, por sua vez, podem estar vinculados a fatos e circunstâncias verificados antes ou depois da inscrição em dívida ativa.

Dentre as matérias que, segundo a legislação, estão entre aquelas arguíveis via PRDI estão o pagamento, a compensação, a retificação da declaração, a suspensão de exigibilidade do crédito tributário por decisão judicial, o erro no preenchimento da declaração, o vício formal na constituição do crédito, a decadência ou a prescrição. Além disso, de maneira inovadora e harmônica à novel legislação processual civil (CPC/2015), prevê também a possibilidade de suscitar a anulação total ou parcial do crédito tributário que tenha sido constituído com base em questão decidida favoravelmente ao contribuinte em recurso (especial ou extraordinário) de cunho repetitivo [3].

É o que se depreende da leitura conjugada dos enunciados do artigo 15, § 1º, inciso II, e do artigo 5°, § 1º, incisos VIII e IX, da Portaria PGFN 33/2018, somados, ainda, àqueles veiculados nos artigos 1.035 e 1.036 do Código de Processo Civil/2015 (CPC/2015) [4].

Contudo, não podemos deixar de mencionar que, de acordo com o artigo 5º, § 2º da Portaria PGFN 33/2018 [5], a vinculação da decisão do PRDI ao entendimento formado em recurso repetitivo está condicionada a pronunciamento oficial da PGFN acerca da dispensa de recorrer e contestar judicialmente os temas que versem a matéria objeto dos precedentes vinculativos, conforme previsto na Portaria PGFN 502/2016.

Mesmo que a exigência de um pronunciamento regulamentar da PGFN para aplicação do paradigma vinculante seja criticável, porque dependente de iniciativa unilateral daquele órgão e o risco de inércia, há que se reconhecer que se está diante de amplo avanço, pois a inserção dessa regra evidencia a importância que, em âmbito federal, vem sendo dada ao controle de legalidade do crédito tributário realizado em regime dialógico, em que contribuinte e ente fiscal cooperam na formação da liquidez e certeza da exigência antes do ajuizamento da execução fiscal, além de demonstrar manifesto esforço em prestigiar o sistema de precedentes instalado com o CPC/2015.

Providências desse jaez evitam, com eficiência, a judicialização de assuntos que já tenham transitado pelo poder judiciário e sido nele definidos, prestigiando a segurança jurídica e a isonomia na aplicação da lei.


[1] “Artigo 204. A dívida regularmente inscrita goza da presunção de certeza e liquidez e tem o efeito de prova pré-constituída.

Parágrafo único. A presunção a que se refere este artigo é relativa e pode ser ilidida por prova inequívoca, a cargo do sujeito passivo ou do terceiro a que aproveite.”

[2] Para complementar informações a respeito do PRDI, sugerimos leitura do artigo produzido por Juliana Furtado Costa Araujo nesta coluna: https://www.conjur.com.br/2021-jun-21/processo-tributario-revisao-divida-inscrita-controle-legalidade-credito-tributario

[3] Portaria PGFN 33/2018:

Artigo 15. O pedido de revisão de dívida inscrita (PRDI) possibilita a reanálise, pela Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, dos requisitos de liquidez, certeza e exigibilidade dos débitos inscritos em dívida ativa da União, de natureza tributária ou não tributária.

§ 1º. Admite-se o PRDI:

I – para alegação de pagamento, parcelamento, suspensão de exigibilidade por decisão judicial, compensação, retificação da declaração, preenchimento da declaração com erro, vício formal na constituição do crédito, decadência ou prescrição, quando ocorridos em momento anterior à inscrição em dívida ativa da União;

II – para alegação das matérias descritas no art. 5º, § 1º, ocorridas antes ou após a inscrição em dívida ativa da União;

III – para alegação de qualquer causa de extinção ou suspensão do crédito tributário ou não tributário, ocorridas antes ou após a inscrição em dívida ativa da União.”

“Artigo 17. (…)

§ 1º. O PRDI será analisado no prazo de 30 (trinta) dias contados do primeiro dia útil após o seu protocolo no e-CAC da PGFN.”

[4] “Artigo 5º. (…)

§ 1º. Não serão inscritos em dívida ativa da União:

VIII – os débitos cuja constituição esteja fundada em matéria decidida de modo favorável ao contribuinte pelo Supremo Tribunal Federal, em sede de julgamento realizado nos termos dos artigos 1.035 e 1.036 da Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015;

IX – os débitos cuja constituição esteja fundada em matérias decididas de modo favorável ao contribuinte pelo Superior Tribunal de Justiça em sede de julgamento realizado nos termos do 1.036 da Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015, com exceção daquelas que ainda possam ser objeto de apreciação pelo Supremo Tribunal Federal;”

[5] “Artigo 5º. (…)

§ 2º. A aplicação do § 1º deste artigo deverá observar o disposto na Portaria PGFN nº 502, de 12 de maio de 2016, ficando a negativa de inscrição, nas hipóteses dos incisos VIII a XI do parágrafo anterior, condicionada à prévia inclusão do tema na lista de dispensa de contestar e recorrer, disponível no sítio da PGFN na internet.”


Nathalia Verônica Pires de Souza é advogada no Espírito Santo, especialista em Direito Tributário pela PUC-MG, ex-aluna do curso de extensão de Processo Tributário Analítico do Ibet, aluna do curso de MBA em Gestão Tributária na USP/ESALQ e graduada em Direito pela Faculdade de Direito do Vale do Rio Doce (Fadivale).

Camila Campos Vergueiro é advogada, doutoranda pela Unimar, mestre em Direito Tributário pela PUC-SP, professora do Curso de Especialização do Instituto Brasileiro de Estudos Tributários (Ibet), do programa de pós-graduação lato sensu da Fundação Getúlio Vargas (FGVLaw) e do Complexo Educacional Damásio de Jesus, professora e coordenadora do curso de extensão “Processo tributário analítico” do Ibet e coordenadora do grupo de estudos de “Processo tributário analítico” do Ibet.

Rodrigo Dalla Pria é advogado, doutor em Direito Processual Civil e Mestre em Direito Tributário pela PUC-SP, professor do programa de pós-graduação stricto sensu (mestrado) do Instituto Brasileiro de Estudos Tributários (Ibet), professor e coordenador do curso de extensão de “Processo tributário analítico” do Ibet, coordenador das unidades do Ibet em Sorocaba e Presidente Prudente e coordenador do grupo de estudos de “Processo tributário analítico” do Ibet.

Fonte: Revista Consultor Jurídico, 13 de março de 2022, 8h00

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