Foi publicada em 28 de dezembro de 2023 a Medida Provisória nº 1.202, que incluiu o art. 74-A na Lei nº 9.430/1996. Essa lei trata da compensação de crédito decorrente de decisão judicial transitada em julgado.
A nova norma, com o intuito de reorganizar o orçamento federal, estabelece um limite mensal para a compensação de créditos decorrentes de decisões judiciais transitadas em julgado. O referido limite:
- É graduado em função do valor do crédito.
- Não pode ser inferior a um sexagésimo do total do crédito.
- Não pode ser inferior a R$ 10.000.000,00 (dez milhões de reais).
A primeira declaração de compensação deverá ser apresentada no prazo improrrogável de cinco anos, a contar da data do trânsito em julgado da decisão ou da homologação da desistência da execução do título judicial.
Ao regulamentar a matéria, a Portaria Normativa MF nº 14/2024 estabeleceu lapso temporal mínimo de compensação de acordo com o valor total do crédito:
a) de R$ 10.000.000,00 a R$ 99.999.999,99, em 12 meses;
b) de R$ 100.000.000,00 a R$ 199.999.999,99, em 20 meses;
c) de R$ 200.000.000,00 a R$ 299.999.999,99, em 30 meses;
d) de R$ 300.000.000,00 a R$ 399.999.999,99, em 40 meses;
e) de R$ 400.000.000,00 a R$ 499.999.999,99, em 50 meses; e
f) acima de R$ 500.000.000,00, em 60 meses.
Com a edição da Medida Provisória nº 1.202/2023, surgiram diversos questionamentos, especialmente quanto à sua aplicação em créditos decorrentes de decisões com trânsito em julgado anterior à sua edição.
Nesses casos, ao julgar o Tema Repetitivo nº 265, o Superior Tribunal de Justiça – STJ firmou entendimento de que “em se tratando de compensação tributária, deve ser considerado o regime jurídico vigente à época do ajuizamento da demanda”, sendo facultado ao contribuinte optar pela aplicação ou não de eventuais normas supervenientes.
No mesmo sentido, ao julgar Tema 345 (REsp 1.164.452), o STJ esclareceu que “a lei que regula a compensação tributária é a vigente à data do encontro de contas entre os recíprocos débito e crédito da Fazenda e do contribuinte”, não sendo aplicáveis as alterações na legislação que restrinjam o direito de compensar em ações judiciais que antecedam tais modificações, em observância aos princípios da irretroatividade e da segurança jurídica.
Ocorrem, ainda, situações em que o contribuinte detém não apenas coisa julgada favorável ao seu direito creditório, mas também já optou pela inexecução do julgado, nos termos do art. 102, § 1º, III, da Instrução Normativa RFB nº 2.055/2021. Em outras palavras, a opção pela inexecução é imposta pelo Fisco como condição para o reconhecimento do direito de compensação do contribuinte que, após tal formalização, se depara com uma superveniente restrição a esse direito, vedando-lhe o acesso a outras vias de recuperação do indébito que, no novo contexto, podem se mostrar mais vantajosas.
Tal situação ofende frontalmente os princípios da segurança jurídica e proteção da confiança, vez que, quando da opção pela forma de recuperação do indébito, o contribuinte tinha a expectativa de exercer seu direito à compensação em contexto normativo diverso do imposto pela MP.
Não bastassem tais pontos, ao limitar o direito do contribuinte à compensação de créditos oriundos de decisões judiciais transitadas em julgado sob a justificativa genérica de necessidade orçamentária, o art. 4º da MP nº 1.202/2023 viola previsões constitucionais, a saber:
- Art. 148, que prevê que o empréstimo compulsório será instituído por lei complementar, já que a delonga da devolução dos valores pertencentes aos contribuintes tem inconteste propósito de aumentar a arrecadação da União;
- Art. 62, § 1º, III, que veda a edição de medida provisória que verse sobre matéria reservada a lei complementar;
- Art. 62, § 1º, I, “d” e II, que veda a edição de medida provisória sobre orçamento, detenção ou sequestro de bens; e
- Art. 150, III, “b” e “c”, que prevê a regra da anterioridade constitucional.
Há expectativa de que o assunto chegue ao Supremo Tribunal Federal (STF) devido à natureza constitucional da discussão do caso. Alguns contribuintes obtiveram liminares que garantem que as restrições à compensação impostas pela Medida Provisória (MP) não lhes sejam aplicadas.
Ademais, encontra-se em tramitação junto ao STF a ADI nº 7.587, distribuída ao ministro Cristiano Zanin, que questiona a constitucionalidade da referida Medida Provisória, especialmente quanto à limitação quantitativa à compensação de créditos decorrentes de decisão judicial transitada em julgado face aos princípios constitucionais mencionados.
Nesse novo cenário, o contribuinte deverá analisar a opção mais vantajosa para recuperação de seu indébito, não somente considerando as diversas restrições impostas pela MP nº 1.202/2023, mas também a possibilidade de judicialização de tais limitações, diante da jurisprudência que vem sendo formada sobre a questão.
O escritório Dalla Pria Advogados está à disposição para maiores esclarecimentos sobre o tema.