A reboque das conclusões constantes do texto veiculado nesta mesma ConJur em março, passaremos a explorar alguns pontos que confirmam a ideia de que os instrumentos processuais ordinários utilizados pelo sujeito passivo tributário para interferir na atividade tributante possuem peculiaridades que os tornam singulares, especialmente quanto aos efeitos que estão vocacionados a produzir no plano da realidade social.
Tais singularidades não são atributos que emanam do próprio sistema processual, mas características que têm origem na particular natureza do conflito tributário que serve de pretexto ao manejo do instrumento processual.
Isso fica muito evidente quando investigamos a forma de atuação do sujeito passivo que, ao se valer da ação declaratória de inexistência de relação jurídico-tributária, o faz com objetivo de obstar, em caráter preventivo, a atuação do Fisco.
Pois essa preventividade que caracteriza a demanda declaratória negativa tributária está intimamente relacionada à ausência do ato formalizador da obrigação tributária e, principalmente, ao risco iminente (ameaça de lesão) de que ele (ato) se materialize.
Não por outra razão, o interesse processual no manejo da declaratória negativa tributária tem como pressuposto material a demonstração do risco efetivo de que o Fisco atue, o que pressupõe, para além de norma tributária vigente e eficaz — cuja aplicação se pretende evitar —, a possibilidade de materialização das circunstâncias fáticas que justificam o desencadeamento da atividade impositiva.
A linha que separa aquilo que se costuma chamar de “ação contra lei em tese” de uma típica (e viável) “ação declaratória de inexistência de relação jurídico-tributária” é tênue, não há dúvidas. O que as diferencia — esse, sim, o ponto fulcral da questão — é o substrato material que dá contornos à conflituosidade no caso da declaratória negativa, tal como deduzida em juízo, de cuja leitura (plano da asserção) é possível vislumbrar o efetivo risco de atuação do Fisco em situação de questionável legitimidade.
É o justificado receio de concretização indevida do ato constitutivo do crédito tributário, portanto, que caracteriza a ameaça de lesão que dá oportunidade ao ajuizamento da declaratória negativa.
Necessário observar, ainda, que esse “risco de concretização indevida do ato constitutivo do crédito tributário” a que nos referimos é uma decorrência direta da “divergência” entre os potenciais sujeitos de direito tributário (ativo e passivo) acerca da legitimidade da exigência fiscal em dada situação concreta.
A “divergência” a que nos referimos, por sua vez, nada mais é que a materialização da crise de incerteza que qualifica o estado de conflituosidade a que remete a ação declaratória negativa tributária, estado esse que, no mais das vezes, costuma ser identificado a partir de práticas reiteradas do Fisco em situações similares àquelas que são objeto da demanda ou, ainda, de interpretações fiscais oficiais objetivadas por meio de respostas a consultas tributárias.
Ao final, o que se pretende é que o Poder Judiciário emane tutela jurisdicional que seja capaz de, a pretexto de pôr fim à crise de incerteza instaurada entre os sujeitos de Direito Tributário, delimitar o regime jurídico-tributário aplicável aos fatos econômicos que deram origem à controvérsia.
Significa dizer que, acolhida a pretensão declaratória negativa, estará o Fisco impedido de exigir o tributo tido por indevido em relação a todo e qualquer fato econômico similar àquele que haja sido objeto da demanda, e que vier a ser, doravante, praticado pelo sujeito passivo no exercício de suas atividades.
Essa eficácia prospectiva (ex nunc), tão característica à tutela declaratória negativa em matéria tributária, ao evitar (prevenir) que insurgências fiscais ilegítimas sejam desencadeadas, tem por maior virtude a capacidade de estabilizar a relação entre os sujeitos de Direito Tributário, constituindo-se, assim, em típica tutela de segurança jurídico-tributária.
Rodrigo Dalla Pria é advogado, doutor em Direito Processual Civil, mestre em Direito Tributário pela PUC-SP, professor do programa de pós-graduação stricto sensu (mestrado) do Instituo Brasileiro de Estudos Tributários (Ibet) e coordenador do grupo de estudos de “Processo tributário analítico” do Ibet.
Fonte: Publicação Original em Revista Consultor Jurídico, 16 de maio de 2021, 8h03