O incidente de desconsideração da personalidade jurídica (IDPJ) e seu cabimento na execução fiscal

O incidente de desconsideração da personalidade jurídica (IDPJ) e seu cabimento na execução fiscal

Por Rodrigo Dalla Pria

1. Considerações iniciais

O Código de Processo Civil de 2015, responsável por instituir um novo regime geral de direito processual cujos fundamentos estão escorados em parâmetros principiológicos e por técnicas processuais voltados, fundamentalmente, à implementação do modelo constitucional de processo, dá especial importância à efetiva observância das noções de contraditório e ampla defesa prescritos no texto constitucional de 1988.

Essa diretriz principiológica se manifesta nos mais variados institutos que compõem o diploma de 2015, desde as regras fundantes do sistema processual, prescritas na parte geral do CPC (Livro I)2, passando pelas normas que disciplinam o processo de execução (Livro II) e que estão diretamente relacionadas à efetividade do processo jurisdicional, até as derradeiras prescrições atinentes ao trâmite dos processos nos Tribunais e ao regime recursal (Livro III).

Um dos exemplos mais contundentes dessa assertiva é, justamente, o incidente de desconsideração da personalidade jurídica (“IDPJ”), tal qual insculpido nos artigos 133 a 137 do CPC/20155.

Forjado pelo legislador ordinário como uma específica técnica de intervenção de terceiros – até então inexistente em nosso sistema processual -, o IDPJ tem como objetivo precípuo garantir àquele sujeito (pessoa física ou jurídica) cujo patrimônio esteja sob ameaça de constrição/expropriação em razão de débito de terceiro (pessoa jurídica), o direito de ver instaurado procedimento incidental especificamente destinado a averiguar, mediante pleno regime contraditório, a procedência da responsabilidade patrimonial que lhe é imputada.

O instituto pretende preencher uma lacuna normativa que, pragmaticamente, vem sendo historicamente ocupada por aquele expediente que a jurisprudência se acostumou a chamar de “redirecionamento” da execução6, e que a despeito de ser de grande eficácia para fins de garantia dos interesses do credor exequente, possui um evidente e indesejado déficit de contraditório, especialmente à luz das referidas diretivas axiológicas que norteiam o novel regime processual de 2015.

Parece-nos evidente, portanto, que o âmbito de aplicação do IDPJ vai muito além daquelas circunstâncias em que se verifiquem as condições de aplicação da regra do art. 50 do Código Civil7, devendo a expressão “desconsideração da personalidade  jurídica”, que qualifica o incidente processual em questão, ser interpretada como abrangente de toda e qualquer situação em que se verifique a pretensão de responsabilização patrimonial de sujeito que não componha o polo passivo da obrigação exigível, isto é, que não seja sujeito passivo da relação prestacional inadimplida, a despeito de seu patrimônio poder estar sujeito, por expressa determinação legal, a garantir o débito.

Por um lado, e analisando a questão sob a ótica estritamente processual, a aplicabilidade do IDPJ aos executivos fiscais parece ser uma decorrência direta do que prescreve o art. 1º da Lei nº 6.830/80, que dispõe expressamente sobre a aplicabilidade subsidiária do CPC ao processo executivo fiscal.

Com efeito, inexistindo no âmbito da mencionada legislação processual qualquer regra específica que tenha o condão de limitar a utilização do referido instituto, quer nos parecer intuitiva sua aplicabilidade aos processos executivos fiscais, ambiente processual no qual a técnica de redirecionamento, que se pretende superada pelo advento do IDPJ, teve enorme aceitação e utilidade.

Importante salientar, nesse tocante, e na esteira da precisa lição de Paulo Cesar Conrado9, que as regras atinentes ao IDPJ, nos termos em que formuladas nos artigos 133 a 137 do CPC, perfazem típicas regras gerais de direito processual, reguladoras da “forma” de inclusão de terceiro no polo passivo da relação jurídico processual executiva, bem como do exercício do direito ao contraditório e à ampla defesa por parte do pretenso responsável patrimonial, e que não encontram equivalentes normativos no microssistema da Lei nº 6.830/80.

O que carece de definição, portanto, não é propriamente a aplicabilidade do IDPJ aos executivos fiscais, mas sim as circunstâncias que justificariam o manejo do instituto naquele específico ambiente processual. Essas circunstâncias estão intimamente relacionadas à identificação das duas condições que, conjuntamente consideradas, são necessárias e suficientes para a utilização do IDPJ, quais sejam: (i) a condição de “terceiro”, cujo conceito é de índole eminentemente processual; e (ii) a condição de responsável patrimonial distinto do devedor, noção esta que tem natureza eminentemente jurídico-material.

Assim, e conforme procuraremos demonstrar nos tópicos a seguir, a aplicabilidade do IDPJ aos processos executivos fiscais que tenham por objeto a cobrança de créditos tributários, que é justamente o escopo deste trabalho, justificar-se-á naquelas circunstâncias em que a responsabilidade patrimonial for invocada em face de terceiro cujo nome não conste do título executivo extrajudicial (certidão de dívida ativa) e em momento posterior à instauração do processo executivo fiscal.

Nessa medida, sempre que a “responsabilidade patrimonial tributária” for aferida em momento posterior à constituição definitiva do crédito tributário exequendo e, ainda, após a instauração do processo executivo fiscal, não se poderá negar a condição de “terceiro” daquela pessoa cujo patrimônio vier a ser, por quaisquer fundamentos (fáticos e jurídicos), objeto de atos constritivos a serem praticados no bojo de processo executivo fiscal. Será precisamente nessas circunstâncias que terá lugar a instauração do IDPJ.

2.   Partes e terceiros na ação de execução fiscal: as condições processuais de manejo do IDPJ nos executivos fiscais

Na dicção do CPC/2015, o IDPJ se constitui em espécie do gênero  “intervenção de terceiros”, cujo conceito é obtido, em caráter residual, a partir da noção de “parte”10. Assim, se as partes são, por estipulação dogmática, os sujeitos da relação jurídico-processual que deduz (autor) e em face de quem se deduz (réu) a pretensão processual (aquele que pede e aquele em face de quem se pede), terceiro será todo aquele sujeito (parcial) que ingressar num dos polos (ativo ou passivo) da relação jurídico- processual sem que, a despeito disso, possa ser considerado parte.

Daí que, do gênero “sujeitos parciais do processo” extrai-se duas espécies, a saber: as partes (autor e réu) e os terceiros; sendo os últimos definidos, residualmente, da definição do conceito que é próprio à primeira figura. Assim, “terceiro interveniente” será aquele sujeito que haja ingressado na relação jurídico-processual após sua formação, isto é, após a instauração do vínculo triádico que se estabelece, inicialmente, entre autor (aquele que pede), juiz (aquele a quem se pede) e réu (aquele em face de quem se pede).

É até possível que, em alguns casos, ao ingressar no processo, o “terceiro” se torne “parte”, tal como ocorre no caso do chamamento ao processo, da denunciação da lide e do próprio incidente de desconsideração de personalidade jurídica (quando acolhido). Em outras figuras, no entanto, o interveniente manterá sua condição de terceiro, a despeito da intervenção12.

Esse introito nos possibilita concluir algo que, no contexto deste trabalho, é de suma importância, que é justamente a circunstância de o conceito de “terceiro” ser, tanto quanto o conceito de parte, uma noção fundamentalmente processual, não mantendo vínculo necessário com a composição subjetiva da relação jurídico-material conflituosa que é objeto da demanda.

Em verdade, a depender da espécie de intervenção de terceiros, ter-se-á ou não o vínculo direto entre o terceiro interveniente com a relação jurídico material litigiosa, o que, em outras palavras, significa dizer que o terceiro interveniente poderá ou não compor um dos polos (ativo ou passivo) da relação jurídico-material conflituosa, não perfazendo, tal circunstância, um critério definitório de sua condição de “terceiro”.

É de se mencionar, a título de exemplo, o “chamamento ao processo”13, que perfaz típica forma de intervenção que pressupõe a inclusão de terceiro (o afiançado, o fiador ou devedor solidário) no polo passivo da relação jurídico-processual, terceiro este que, por ser sujeito passivo da relação jurídica material de fundo, poderia, de rigor, ter assumido a condição originária de parte (réu) no processo se o autor tivesse assim desejado.

É de se notar, também, que o devedor solidário (terceiro), quando chamado ao processo pelo réu (parte), é citado para figurar no polo passivo da relação jurídico- processual na condição de litisconsorte (art. 131, do CPC14), deixando de ser terceiro para tornar-se parte. Nem por isso o chamamento ao processo deixa de ser uma espécie do gênero “intervenção de terceiros”.

Tudo isso demonstra que a condição de “terceiro interveniente”, na forma como consta insculpida pela legislação processual, não está relacionada à condição de “terceiro” em sentido jurídico-material, isto é, ao fato de o sujeito de direito integrar ou  não um dos polos (ativo ou passivo) da relação jurídico material que materializa o objeto do litígio.

Pois bem. Transpondo tais considerações para o específico ambiente processual disciplinado pela Lei nº 6.830/80, tem-se que, em se tratando de processo executivo fiscal, as partes serão aquelas pessoas (sujeitos de direito) que ocuparem, ab initio, as posições de exequente e executado na relação processual executiva, nos termos em que restar deduzido em petição inicial.

Importante lembrar, nesse tocante, que por expressa determinação legal (art. 6º, §§ 1º e 2º, da Lei nº 6.830/8015), o título executivo extrajudicial (certidão de dívida ativa) que aparelha a demanda executiva fiscal perfaz parte integrante da petição inicial que a instaura. Disso decorre a total identificação entre os sujeitos que figuram na condição de exequente e executado na demanda executiva e aqueles que ocupam, respectivamente, as posições de credor, devedor e/ou responsável na certidão de dívida ativa.

De outro lado, é certo também que a certidão de dívida ativa tem origem em termo extraído ao cabo de procedimento específico de controle de legalidade do débito tributário (inscrição em dívida ativa), desencadeado a partir da “definitividade” do ato constitutivo do crédito tributário (lançamento ou autolançamento). Também por isso, o termo de inscrição em dívida ativa, do qual se extrai a CDA, espelha os mesmos elementos (subjetivos e objetivos) que compõem a própria obrigação tributária, nos exatos termos em que restar constituída pelo lançamento.

Disso tudo decorre a circunstância, meramente contingente, de correspondência entre as figuras dos (i) devedores/responsáveis (sujeitos passivos da relação obrigacional constituída pelo lançamento/autolançamento); do (ii) responsável patrimonial, tal qual transcrito em certidão de dívida ativa; e do (iii) executado, assim definido, em petição inicial, como aquele a quem se dirige a pretensão executiva.

Em sendo a certidão de dívida ativa parte integrante da demanda executiva, espelhando ela a própria exequibilidade do débito, tem-se por automática a ideia de que o objeto do processo executivo fiscal é justamente a responsabilidade patrimonial dos devedores e responsáveis, cuja condição de sujeitos passivos já fora reconhecida anteriormente.

Assim que, a posição processual de executado (parte passiva) perfaz uma decorrência direta da responsabilidade patrimonial atribuída aos devedores e/ou responsáveis inseridos na certidão de dívida ativa que, por sua vez, correspondem aos sujeitos passivos da relação jurídico-tributária inadimplida, assim entendidos como aqueles que constam expressamente indicados no ato constitutivo do crédito tributário.

Não por outro motivo, o sujeito passivo (contribuinte ou responsável tributário) cuja responsabilidade patrimonial reste documentada em competente certidão de dívida ativa, para além de parte (executado) no processo executivo fiscal, será também sujeito legitimado (parte legítima) a figurar naquela condição, dada a total identidade entre os demandantes e os sujeitos de direitos que compõem a relação jurídico-material conflituosa.

Tudo isso para dizer, a título de conclusão, que em se tratando de processo executivo fiscal, será considerado “terceiro” para fins de utilização do IDPJ todo e

qualquer indivíduo que não tenha originariamente assumido a condição de “executado”, mas que tenha, ulteriormente à propositura da demanda executiva fiscal, sido chamado a responder, com seu patrimônio, pelo débito exequendo.

Nessa medida, o fato de o “terceiro” estar sendo patrimonialmente responsabilizado com fundamento em regras de direito material que o elevariam à posição de sujeito passivo da obrigação tributária, caso houvesse sido editado em face dele o competente ato constitutivo, não seria, ao menos em princípio, empecilho para que, sob o ponto de vista estritamente processual, ele fosse considerado terceiro.

Essa assertiva, no entanto, não pode nos levar a apressada conclusão de que, no específico caso do IDPJ, a simples verificação da condição de “terceiro” em sentido processual seja suficiente para o manejo do referido incidente, visto que é da própria essência do Instituto (IDPJ) o objetivo de viabilizar, processualmente, a proteção dos interesses de pessoa que tenha seu patrimônio ameaçado por dívida da qual não é titular.

Nesse sentido, e a despeito de ser um Instituto de direito processual, o IDPJ possui um escopo material muito bem definido, que é justamente o de legitimar a aplicação de regras de direito substancial cujo campo de incidência está umbilicalmente vinculado aos casos em que se verificar a chamada “responsabilidade patrimonial sem dívida”, o que implica a conclusão de que o sujeito beneficiário do incidente processual em comento, para além de “terceiro” em sentido processual, seja também terceiro em sentido jurídico- material.

Ocorre que, por uma questão lógica, e por tudo que afirmamos linhas acima, a condição de “executado (parte)” na execução fiscal pressupõe que o indigitado sujeito processual seja alguém que integre também formalmente o polo passivo da relação obrigacional tributária inadimplida, devidamente constituída por ato competente, e cujo nome conste da certidão de dívida ativa. Do contrário, sequer estariam presentes as condições jurídicas necessárias para que ocupasse a posição processual de executado.

Isso quer dizer que, no ambiente executivo fiscal instaurado a pretexto da cobrança de créditos tributários, o “terceiro” em sentido eminentemente processual também será, necessariamente, um “terceiro” em sentido jurídico-material, pois em momento algum fora formalmente alçado a condição de sujeito passivo da obrigação tributária e, muito menos, teve extraído contra si o competente título executivo necessário ao estabelecimento de sua “responsabilidade patrimonial”.

É justamente essa circunstância que será objeto de análise no tópico a seguir.

3.      Obrigação, sujeição passiva e responsabilidade patrimonial tributárias: os fundamentos jurídico-materiais para a utilização do IDPJ nos processos executivos fiscais.

A análise do tema “obrigação e responsabilidade tributárias” pressupõe a necessária distinção16 entre duas facetas do fenômeno obrigacional que, apesar de relacionados, distinguem-se pela amplitude semântica (e, por via de consequência, também pragmática), a saber: a primeira, de índole eminentemente teórico-geral, diz com o conceito de “responsabilidade patrimonial (tributária)”, na forma como concebida pela chamada teoria dualista17 da obrigação; a segunda, de viés estritamente jurídico-positivo, diz com o conceito de responsabilidade tributária, na forma como definida pelo art. 121, inciso II, do CTN18.

Sob a ótica teórico-geral, obrigação e responsabilidade tributárias não se distinguem de fenômenos obrigacionais próprios a outros ramos do direito. Estamos a falar, nesse tocante, de dois vínculos jurídicos que, conquanto distintos, são oriundos um do outro.

Nesse sentido, a obrigação tributária é o vínculo que se estabelece entre sujeito passivo (contribuinte ou “responsável” tributário) e sujeito ativo (Fisco) em razão da concretização de fato descrito na hipótese de incidência de determinada regra de incidência tributária (geral e abstrata), por meio do qual o primeiro (sujeito passivo) tem o dever jurídico de pagar (prestação) ao segundo (sujeito ativo) determinada quantia em dinheiro.

Fenômeno concreto que é, a obrigação tributária se materializa, exclusivamente, por meio daqueles atos, públicos ou privados, realizados nos termos dos artigos 142 a 150 do Código Tributário Nacional (lançamento em sentido amplo). Também por isso, sujeito passivo da obrigação tributária (contribuinte ou “responsável”) será aquela pessoa expressa e nominalmente indicada no documento constitutivo do vínculo obrigacional tributário.

Paralelamente ao vínculo obrigacional, tem-se a chamada (pela teoria-geral das obrigações) responsabilidade patrimonial (tributária), que também perfaz uma espécie de “sujeição passiva”, mas integra outro vínculo (relação jurídica) que se estabelece, contingentemente, a partir do (eventual) inadimplemento da obrigação (tributária), fazendo nascer o direito (pretensão) de o sujeito ativo da obrigação, por meio de ação executiva, submeter o patrimônio do devedor à atos de expropriação, estes realizados com vistas ao cumprimento da obrigação tributária inadimplida.

É justamente este “dever de submissão” que a teoria geral das obrigações chama de “responsabilidade patrimonial”.

É certo dizer, portanto, que no âmbito das relações obrigacionais, crédito (direito subjetivo de perceber o quantum debeatur) e débito (dever jurídico de pagar o quantum debeatur) perfazem dois vínculos complementares que compõem as duas faces de uma mesma moeda. O mesmo, outrossim, pode ser dito com relação à pretensão (direito subjetivo de submeter o patrimônio do devedor à expropriação) e à responsabilidade patrimonial (dever jurídico de submissão aos atos de expropriação do patrimônio), que consubstanciam relações jurídicas conversas.

Descumprido o dever subjetivo posto no consequente da norma individual e concreta que formaliza a relação jurídica obrigacional (tributária), incide a norma de pretensão/responsabilidade21, fazendo nascer para o credor o poder de exigir o crédito que, nas palavras de André Fontes22, não se confunde com o direito à prestação (direito subjetivo) nem com o direito à jurisdição (ação).

É possível afirmar, portanto, que a pretensão é uma situação jurídica subjetiva ativa (direito em sentido amplo) nascida do não-cumprimento de um dever jurídico prestacional cujo conteúdo (conduta qualificada) é a permissão de praticar atos de cobrança (exigir) que constranjam o devedor a realizar a prestação descumprida (sendo esta a eficácia social da norma de pretensão), sendo a responsabilidade patrimonial o dever correlato do sujeito passivo de se submeter a esses atos de cobrança.

O nascimento da relação de pretensão/responsabilidade patrimonial se identifica com aquilo que os romanos chamavam de actio nata, isto é, com o momento do vencimento da obrigação e, portanto, com o início do decurso do prazo prescricional, cujo objeto, em verdade, é a própria responsabilidade patrimonial (e não a “ação” em sentido processual). Actio, esclarece Pontes de Miranda, é a pretensão (direito de exigir) e não a ação (ato material: que resulta do ato de exigir), nem, a fortiriori, a “ação” (direito à prestação jurisdicional). É a actio romana (pretensão) que é objeto da norma de prescrição e não a ação (direito à prestação jurisdicional)23.

Assim que, a responsabilidade patrimonial, a despeito de ser um instituto de direito material, em regra – por uma questão de mera opção sistêmica24 – se realiza (exercita) por intermédio de instrumentos processuais (responsabilidade processual)25. Não é por outro motivo que esse específico vínculo (responsabilidade patrimonial), nascido a partir do descumprimento daquel’outro (obrigação), constitui-se formalmente a partir de documentos que o sistema jurídico atribui o status de “títulos executivos”, que são justamente aqueles que se fazem indispensáveis ao aparelhamento de processos executivos26.

No âmbito tributário não é diferente. A responsabilidade patrimonial (tributária), nascida a partir do inadimplemento da obrigação tributária, constitui-se a partir da formalização, em linguagem juridicamente apta, de seu respectivo fato jurídico (o inadimplemento), veiculado por meio daquele documento denominado “certidão de dívida ativa” a quem a legislação processual qualifica como título executivo e sem o qual não é possível ao credor tributário invocar a tutela jurisdicional executiva específica (ação de execução fiscal) vocacionada à expropriação do patrimônio do sujeito passivo inadimplente.

Em razão de obrigação (inclusive tributária) e responsabilidade patrimonial (inclusive tributária) perfazerem relações jurídicas que se implicam mutuamente, visto que a segunda nasce necessariamente do descumprimento da primeira27, há uma tendência natural de identificação entre seus elementos subjetivos, de sorte que, em regra, os sujeitos ativo e passivo da relação obrigacional, também o serão (sujeitos ativos e passivos) na relação de responsabilidade patrimonial.

É o que acontece, no mais das vezes, com os sujeitos passivos das obrigações tributárias inadimplidas que, pelo simples fato de constarem formalmente no polo passivo da relação, têm seus nomes inscritos em dívida ativa na condição de devedores inadimplentes, é dizer: de responsáveis patrimoniais.

Essa regra, no entanto, comporta exceções. Há casos em que a sujeição passiva na relação obrigacional é distinta da sujeição passiva na relação jurídica de responsabilidade patrimonial. É exatamente o caso da chamada responsabilidade sem dívida, cujo exemplo clássico é, justamente, a desconsideração da personalidade jurídica, conforme prescrita no art. 50 do CC.

Pois bem. Paralelamente ao que acima fora exposto, e analisando o fenômeno obrigacional agora sob o ângulo jurídico-positivo, em especial à luz do que dispõe o art. 121, inciso II, do CTN, obrigação e responsabilidade tributárias são conceitos complementares, visto que a segunda (responsabilidade tributária) perfaz elemento da primeira (obrigação tributária).

E isso porque a figura do “responsável tributário”, nos termos do que prescreve o indigitado art. 121, inciso II, do CTN, é erigida à condição de sujeito passivo da própria obrigação tributária em sentido estrito. E isso por uma legítima e estratégica opção política do legislador complementar.

Essa regra permite que o “responsável tributário” seja envolvido no processo de cobrança desde o momento da constituição da própria relação obrigacional em sentido estrito, possibilitando que o crédito tributário seja constituído diretamente contra pessoa que não pratica o fato gerador, não é contribuinte, mas que com ele(s) mantém relação.

Em consequência, não é necessário aguardar o descumprimento da obrigação tributária para, somente então, atribuir responsabilidade patrimonial ao terceiro. Nesse caso, a responsabilidade patrimonial do responsável tributário, caso ocorra o inadimplemento do débito, será uma decorrência direta da sujeição passiva na obrigação tributária. É isso que permitirá a inscrição do nome do responsável diretamente no termo de dívida ativa, possibilitando que o processo executivo seja proposto diretamente em face dele (responsável tributário).

É exatamente com base nessa noção (jurídico-positiva) de “responsabilidade tributária” que alguns tendem a entender que, para fins de utilização do IDPJ, não haveria possibilidade de considerar o “responsável tributário”, assim entendido como aquele que preencha as condições previstas nos artigos 129 a 133 (responsabilidade por sucessão), 134 a 135 (responsabilidade de terceiros) e 136 a 137 (responsabilidade por infrações), como “terceiro interessado”, visto que seria ele “sujeito passivo” da relação obrigacional que suporta a execução fiscal, e não um “terceiro” propriamente dito. Para estes (responsáveis tributários), bastaria o redirecionamento do processo executivo.

Poder-se-ia afirmar, nesse sentido, que o fato de o redirecionamento dos atos executivos para o patrimônio de quem não integre a relação jurídica processual ab initio estar juridicamente fundamentada em regras de responsabilidade tributária prescritas no CTN, isto é, de ser o “responsabilizado” um “possível” sujeito passivo da obrigação tributária inadimplida, seria, por si só, suficiente para afastar sua condição de “terceiro” e, portanto, negar-lhe o direito à instauração do IDPJ.

O que parece passar desapercebido àqueles que partilham dessa concepção do fenômeno, no entanto, é que nas situações em que o sujeito tido por responsável tributário nos termos do que dispõe o Código Tributário Nacional (responsável em sentido jurídico- positivo) é identificado após (i) a constituição do crédito tributário, (ii) a inscrição do débito em dívida ativa e (iii) a propositura da ação executiva fiscal, ele nunca poderá ser equiparado, juridicamente, ao “responsável tributário” que haja assumido tal condição por ocasião da própria constituição do crédito tributário.

Mais que isso. O que não ocorre à dogmática especializada é o fato de as regras de responsabilidade tributária (por sucessão, de terceiros e por infrações) prescritas no Código Tributário Nacional terem natureza dúplice, funcionando ora como típicas normas definidoras dos sujeitos passivos das relações obrigacionais tributárias em sentido estrito (quando aplicadas por ocasião da constituição do crédito tributário), ora como normas atributivas de mera responsabilidade patrimonial àquele que, eventualmente, não haja sido incluído no polo passivo da obrigação tributária por ocasião de sua constituição (no mais das vezes, após o início do processo executivo fiscal), mas que tenha sua condição de responsável verificada em momento posterior.

Por essa ótica, o “responsável tributário” poderá ser considerado sujeito  passivo da obrigação tributária em sentido estrito ou mero sujeito passivo da relação jurídica de responsabilidade patrimonial, a depender do momento do fluxo de causalidade jurídico-tributária (processo de positivação em sentido amplo) em que a indigitada responsabilidade tributária for aferida.

Será (o responsável tributário) sujeito passivo da obrigação tributária, e, portanto, parte legítima originária para figurar no polo passivo das ações executivas fiscais, se, e somente se, o crédito tributário for originariamente constituído em face dele, o que possibilitará, via de consequência, que o título executivo extrajudicial (certidão de dívida ativa) também seja extraído diretamente em face do responsável tributário. Nesse caso, a responsabilidade tributária patrimonial, objeto do processo executivo fiscal, será uma decorrência direta da condição de devedor (sujeito passivo da obrigação tributária), e não precisará ser aferida mediante prévia instauração de regime contraditório, visto que o responsável teve a oportunidade de se defender no âmbito do contencioso administrativo.

Será (o responsável tributário), exclusivamente, sujeito passivo da relação de responsabilidade patrimonial, no entanto, nas circunstâncias em que o crédito tributário já

haja sido constituído somente em face do contribuinte, sendo que as circunstâncias necessárias à identificação da responsabilidade tenham sido verificadas em momento posterior à constituição definitiva da obrigação, ocasião em que a inclusão do responsável tributário no polo passivo da relação jurídico-processual executiva dependerá da necessária expedição de título executivo apto.

É de se notar que em ambos os casos restará observada a regra do art. 121, inciso II, do CTN – que define o responsável como sujeito passivo –, sendo que na primeira situação o responsável tributário será sujeito passivo da relação obrigacional tributária em sentido estrito (titular do dever de prestar), e, na segunda, sujeito passivo da relação jurídica subsequente ao inadimplemento, que é justamente a relação-jurídica de responsabilidade tributária meramente patrimonial (titular do dever de submissão aos atos de expropriação do patrimônio).

A diferença – relevantíssima para os escopos deste trabalho – é que no  primeiro caso haverá a possibilidade de exigência do crédito tributário diretamente contra o responsável tributário, cujo nome constará do título executivo extrajudicial (CDA), o que permitirá que o responsável integre, juntamente como o devedor contribuinte, o litisconsórcio ativo inicial que se instalará por ocasião da propositura da ação executiva fiscal.

Na segunda situação, no entanto, que é justamente aquela em que a responsabilidade tributária se revela em sua porção meramente patrimonial, o  litisconsórcio deverá ser ulterior, de maneira que sua formação dependerá de anterior expedição de título executivo em face do responsável tributário, constitutivo de sua responsabilidade patrimonial, que o habilitará a assumir a condição de sujeito passivo da relação jurídico-processual executiva fiscal.

Trata-se, por evidente, de típico caso de responsabilidade (tributária) patrimonial sem dívida, pois o responsável tributário, a despeito de responder pelo débito fiscal com seu patrimônio, não integra o polo passivo da relação obrigacional tributária inadimplida, sendo este o justo ambiente jurídico-material propício ao manejo do incidente de desconsideração da personalidade jurídica.

Nesse contexto, a decisão que vier a acolher o IDPJ se prestará a constituir, em linguagem juridicamente competente, a responsabilidade patrimonial do terceiro, consubstanciando título executivo (judicial) substitutivo e equivalente à certidão de dívida ativa. Isso possibilitará que o terceiro seja incluído no polo passivo da execução fiscal28, formando, ao lado do devedor-contribuinte, o litisconsórcio ulterior, permitindo que os atos constritivos e expropriatórios sejam direcionados ao seu patrimônio.

Nesse específico ponto – inclusão do terceiro no polo passivo da relação processual – vale retomar algo que, conquanto esclarecido no tópico anterior, volta a ter relevância nesse momento, pois está intimamente ligado à posição processual assumida, em execução fiscal, pelo terceiro que tenha sua responsabilidade patrimonial reconhecida por meio do IDPJ.

Com efeito, e na esteira da lição de Cassio Scarpinella Bueno29, vale relembrar que o fato de o responsável patrimonial passar a integrar o polo passivo do processo executivo fiscal, na condição de litisconsorte, não compromete sua condição de “terceiro” e, muito menos, conspira contra a viabilidade do IDPJ, pois o que define a condição de terceiro, processualmente falando, é o fato de haver ingresso do sujeito no processo após sua instauração. Nesse sentido, a assumpção, a posteriori, da condição de sujeito passivo da relação jurídico-processual, pelo terceiro interveniente, é algo que se verifica na maioria das técnicas interventivas prescritas no regime geral de direito processual (CPC).

Trata-se de resultado que, por tudo e em tudo, é idêntico àquele que decorre da aplicação da técnica de redirecionamento da execução fiscal, técnica esta que, vale insistir, foi desenvolvida pela pragmática processual no vácuo normativo que, atualmente, é preenchido pelo incidente de desconsideração da personalidade jurídica.

4.  Considerações finais

Queremos crer que esteja plenamente justificada, conforme antecipado em nossas considerações iniciais, a condição de “terceiro” e de “responsável meramente patrimonial” do sujeito que, não integrando formalmente o polo passivo da obrigação tributária em sentido estrito, tenha redirecionada contra si e seu patrimônio execução fiscal proposta originariamente em face de outrem.

Isso quer significar que, no específico ambiente executivo fiscal, o “terceiro” em sentido jurídico-processual (tópico 2) também será, necessariamente, um “terceiro” em sentido jurídico-material (tópico 3), pois além de não haver integrado o polo passivo da obrigação tributária (formalizada) inadimplida, também não teve expedido contra si o competente título executivo constitutivo de sua responsabilidade patrimonial (CDA).

Aliás, é justamente para isso que se presta o IDPJ, cuja decisão de procedência consubstanciará título executivo apto a legitimar a responsabilização patrimonial do terceiro. É a decisão de procedência do IDPJ, portanto, que constitui, em linguagem competente, a responsabilidade patrimonial do terceiro (que não tem seu nome inscrito em CDA) e legitima, além da inclusão do terceiro no polo passivo da execução fiscal, a prática de atos constritivos em face de seu patrimônio.

E isso independentemente de o referido sujeito estar sendo responsabilizado patrimonialmente por ilícito previsto naquelas regras de “responsabilidade tributária” veiculadas no Código Tributário Nacional, e que teriam o condão de elevá-lo à condição de “sujeito passivo” da obrigação tributária em sentido estrito, ou de estar sendo, diversamente, objeto de responsabilização decorrente de típica desconsideração da personalidade jurídica (grupo econômico) realizada com fundamento no art. 50 do Código Civil.

De mais a mais, o que chama atenção, nesse tocante, é algo que é pouco e muito mal explorado pela robusta doutrina que se dedica ao estudo do fenômeno da “responsabilidade tributária”, que a despeito de soprar aos quatro ventos a suposta condição de sujeito passivo do “responsável tributário” a quem eventualmente haja sido redirecionada a execução fiscal, se furta à responsabilidade de explicar adequadamente como seria juridicamente possível afirmar, nos casos de redirecionamento, que

determinada pessoa possa ser alçada à condição de “sujeito passivo tributário” sem que haja, em face dela, a lavratura do competente ato constitutivo do crédito tributário30.

Essa estranheza é reforçada pela circunstância, eminentemente pragmática, de as discussões a respeito dos marcos temporais (prazos) a serem observados para fins de redirecionamento da execução aos responsáveis (sócios ou não) se pautarem sempre em termos de “prescrição” e nunca em termos de decadência31.

Isso, por si só, permite-nos inferir que subjaz ao inconsciente jurídico-coletivo a ideia de que o direito a ser exercido pela via da técnica de redirecionamento da execução perfaz típico direito à responsabilização do patrimônio de terceiro (responsabilização patrimonial esdrúxula, em diálogo com a brilhante proposta de Paulo Cesar Conrado32), e não o direito à constituição do crédito tributário em face de alguém que até então não compunha formalmente o polo passivo da relação obrigacional. Daí a razão de o exercício do referido direito estar submetido às regras de prescrição, e não às normas de decadência33.

Ademais, a interpretação conjunta dos enunciados constantes dos artigos 4º, inciso V, da Lei nº 6.830/8034 e 790, inciso VII, do CPC/201535, levam à conclusão de que a “responsabilidade tributária”, tal qual delineada na lei material, pode ser invocada na condição de mera responsabilidade patrimonial, a ser aferida, a partir da vigência do novo regime processual, não mais pela técnica de redirecionamento, mas pela via do IDPJ.

Diante do novel regime processual de responsabilização patrimonial instituído pelos artigos 133 e seguintes do CPC/2015, a única possibilidade de remanescer a técnica de redirecionamento da execução fiscal seria justamente a situação – pouco verossímil – em que o responsável tenha sido efetivamente incluído no polo passivo da obrigação tributária por ocasião de sua formalização (lançamento), tenha seu nome inscrito em dívida ativa, mas contra ele, por algum motivo, não haja sido proposta a ação executiva fiscal. Nesse caso, proposta a execução, caso não haja transcorrido o quinquênio prescricional, não haverá problema algum em se proceder ao redirecionamento da execução fiscal, sem que haja a necessidade de manejo do IDPJ

Uma outra possibilidade – esta sim, pragmaticamente viável – de se abrir mão do IDPJ para fins de aferição da responsabilidade patrimonial do sujeito que não haja integrado formalmente o polo passivo da obrigação tributária em sentido estrito, seria a instauração de processo administrativo, em regime de pleno contraditório, que possibilitasse a aplicação da regra de responsabilidade patrimonial (sem débito) de terceiro por ocasião da inscrição do débito em dívida ativa. Nesse caso, o título executivo extrajudicial se prestaria a constituir a responsabilidade patrimonial não só do sujeito passivo da obrigação tributária, mas também do terceiro.

Parece ser este, aliás, o caminho trilhado, ao menos em parte, pela D. PGFN ao editar a Portaria nº 947/2017, que instituiu o Procedimento Administrativo de Reconhecimento de Responsabilidade (“PARR”).36

Diante de tudo disso, cremos que existem fortes razões, teóricas e pragmáticas, que justificam concluir que os sujeitos de direito a quem costumam ser dirigidos os atos de redirecionamento, independentemente dos fundamentos invocados para tanto (responsabilidade tributária ou grupo econômico), serão sempre terceiros estranhos à obrigação tributária exequenda, razão pela qual sempre haverá, nesses casos, oportunidade para instauração do IDPJ.


Notas:

1 Doutor em Direito Processual Civil – PUC/SP; Mestre em Direito Tributário – PUC/SP; Professor do IBET; da PUC/COGEAE; Coordenador dos Cursos de Especialização em Direito Tributário do IBET em Sorocaba e da Toledo Prudente em parceria com o IBET; Ex-Juiz do Tribunal de Impostos e Taxas – TIT/SP; Advogado.

2 Confira-se, nesse tocante, os enunciados dos artigos 7º e 10 do CPC/2015:

Art. 7o É assegurada às partes paridade de tratamento em relação ao exercício de direitos e faculdades processuais, aos meios de defesa, aos ônus, aos deveres e à aplicação de sanções processuais, competindo ao juiz zelar pelo efetivo contraditório.

Art. 10. O juiz não pode decidir, em grau algum de jurisdição, com base em fundamento a respeito do qual não se tenha dado às partes oportunidade de se manifestar, ainda que se trate de matéria sobre a qual deva decidir de ofício.

3 Art. 914. O executado, independentemente de penhora, depósito ou caução, poderá se opor à execução por meio de embargos.

4 Art. 933. Se o relator constatar a ocorrência de fato superveniente à decisão recorrida ou a existência de questão apreciável de ofício ainda não examinada que devam ser considerados no julgamento do recurso, intimará as partes para que se manifestem no prazo de 5 (cinco) dias.

§ 1o Se a constatação ocorrer durante a sessão de julgamento, esse será imediatamente suspenso a fim de que as partes se manifestem especificamente.

§ 2o Se a constatação se der em vista dos autos, deverá o juiz que a solicitou encaminhá-los ao relator, que tomará as providências previstas no caput e, em seguida, solicitará a inclusão do feito em pauta para prosseguimento do julgamento, com submissão integral da nova questão aos julgadores.

Art. 1.023. Os embargos serão opostos, no prazo de 5 (cinco) dias, em petição dirigida ao juiz, com indicação do erro, obscuridade, contradição ou omissão, e não se sujeitam a preparo.

§ 1o Aplica-se aos embargos de declaração o art. 229.

§ 2o O juiz intimará o embargado para, querendo, manifestar-se, no prazo de 5 (cinco) dias, sobre os embargos opostos, caso seu eventual acolhimento implique a modificação da decisão embargada. (Destacamos)

5 Art. 133. O incidente de desconsideração da personalidade jurídica será instaurado a pedido da parte ou do Ministério Público, quando lhe couber intervir no processo.

§ 1o O pedido de desconsideração da personalidade jurídica observará os pressupostos previstos em lei.

§ 2o Aplica-se o disposto neste Capítulo à hipótese de desconsideração inversa da personalidade jurídica.

Art. 134. O incidente de desconsideração é cabível em todas as fases do processo de conhecimento, no cumprimento de sentença e na execução fundada em título executivo extrajudicial.

§ 1o A instauração do incidente será imediatamente comunicada ao distribuidor para as anotações devidas.

§ 2o Dispensa-se a instauração do incidente se a desconsideração da personalidade jurídica for requerida na petição inicial, hipótese em que será citado o sócio ou a pessoa jurídica.

§ 3o A instauração do incidente suspenderá o processo, salvo na hipótese do § 2o.

§ 4o O requerimento deve demonstrar o preenchimento dos pressupostos legais específicos para desconsideração da personalidade jurídica.

Art. 135. Instaurado o incidente, o sócio ou a pessoa jurídica será citado para manifestar-se e requerer as provas cabíveis no prazo de 15 (quinze) dias.

Art. 136. Concluída a instrução, se necessária, o incidente será resolvido por decisão interlocutória. Parágrafo único. Se a decisão for proferida pelo relator, cabe agravo interno.

Art. 137. Acolhido o pedido de desconsideração, a alienação ou a oneração de bens, havida em fraude de execução, será ineficaz em relação ao requerente.

6 É evidente que a possibilidade de se utilizar o IDPJ ainda na fase de conhecimento, bem como de instaurá-lo já por ocasião da propositura da demanda, fazem com que o instituto tenha uma abrangência contextual de manejo muito mais ampla que aquela que é própria ao redirecionamento da execução, tal qual forjado pela pragmática. A despeito disso, parece-nos certa a conclusão de que sua principal função é a de substituir o referido expediente, com vistas à condicionar o reconhecimento de eventual responsabilidade patrimonial de terceiro à efetiva instauração de procedimento contraditório prévio.

7 “A propósito do § 1º do art. 133, é correto entender que outras causas de corresponsabilização de sócios que não guardam relação ou que não se confundam com a desconsideração da personalidade jurídica – e, por isso mesmo, que pretendam responsabilizar, até mesmo, administradores – também possam ser discutidas ao longo do processo no incidente cognitivo disciplinado pelos arts. 133 a 137. O fundamental, para tanto, é que a discussão observe o procedimento disciplinado pelos dispositivos do incidente em exame, respeitando- se a ampla defesa e o contraditório.

Esse entendimento merece ser difundido e aplicado largamente, não cabendo ao intérprete deixar-se levar pelo nome que o legislador acabou por dar ao instituto, limitando-o por força de sua enunciação textual. Exigir o incidente para a desconsideração da personalidade jurídica (art. 795, § 4º) de forma a sujeitar os bens do “responsável” à execução (art. 790, VII), não é excludente de querer sujeitar os bens do sócio “nos termos da lei” (art. 790, II), isto é, para além das hipóteses em que tal responsabilização funda-se na desconsideração da personalidade jurídica. A exigência feita pelo § 4º do art. 795 apenas para o incidente aqui estudado merece ser interpretada de maneira ampla para albergar outros casos de responsabilização que não sejam, não se limitem e não se confundam com aquele instituto do direito material.

Ademais, como a doutrina anterior ao CPC de 2015 já reconhecia corretamente, o que importa em casos como tais é que a formação do novo título executivo judicial (apontando como devedor ou responsável também o sócio ou o administrador diante das respectivas razões de direito material que justifiquem sua corresponsabilização ao lado da sociedade) derive de prévio devido processo legal.” Cassio Scarpinella Bueno. Comentários ao Código de Processo Civil, página 573. São Paulo, Saraiva: 2018.

8 É justamente essa, quer nos parecer, a ratio decidendi do precedente representativo da controvérsia firmado por ocasião do julgamento do REsp repetitivo nº 1.116.627/SP. Confira-se:

PROCESSO CIVIL. RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. ARTIGO 543-C, DO CPC. PROCESSO JUDICIAL TRIBUTÁRIO. EMBARGOS DO EXECUTADO. EXECUÇÃO FISCAL. PENHORA DO FATURAMENTO DA EMPRESA APÓS A OCORRÊNCIA DE LEILÃO NEGATIVO DO BEM ANTERIORMENTE PENHORADO. NOVOS

EMBARGOS. POSSIBILIDADE. DISCUSSÃO ADSTRITA AOS ASPECTOS FORMAIS DA PENHORA. ARTIGO 538, PARÁGRAFO ÚNICO, DO CPC. EXCLUSÃO DA MULTA IMPOSTA. SÚMULA 98/STJ.

  1. A anulação da penhora implica reabertura de prazo para embargar, não assim o reforço ou a redução, posto permanecer de pé a primeira constrição, salvo para alegação de matérias suscitáveis a qualquer tempo ou inerente ao incorreto reforço ou diminuição da extensão da constrição.
  2. É admissível o ajuizamento de novos embargos de devedor, ainda que nas hipóteses de reforço ou substituição da penhora, quando a discussão adstringir-se aos aspectos formais do novo ato constritivo (REsp 1.003.710/SP, Rel. Ministro João Otávio de Noronha, Quarta Turma, julgado em 12.02.2008, DJ 25.02.2008; AgRg na MC 13.047/MT, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 09.08.2007, DJ 27.08.2007; REsp 257.881/RJ, Rel. Ministro Carlos Alberto Menezes Direito, Terceira Turma, julgado em 19.04.2001, DJ 18.06.2001; REsp 122.984/MG, Rel. Ministro Ari Pargendler, Terceira Turma, julgado em 15.09.2000, DJ 16.10.2000; REsp 114.513/RS, Rel. Ministro Cesar Asfor Rocha, Quarta Turma, julgado em 29.06.2000, DJ 18.09.2000; REsp 172.032/RS, Rel. Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira, Quarta Turma, julgado em 06.05.1999, DJ 21.06.1999; REsp 109.327/GO, Rel. Ministro Cesar Asfor Rocha, Quarta Turma, julgado em 20.10.1998, DJ 01.02.1999; e REsp 115.488/GO, Rel. Ministro Nilson Naves, Terceira Turma, julgado em 09.06.1997, DJ 25.08.1997).
  3. A penhora supostamente irregular é, hodiernamente, matéria passível de alegação em embargos, o que, outrora, reclamaria simples pedido.
  4. A aplicação subsidiária do Código de Processo Civil (conjugada à inexistência de normatização em contrário na lex specialis) autoriza a aplicação da aludida exegese aos embargos de devedor, intentados no âmbito da execução fiscal, os quais se dirigem contra a penhora de 20% (vinte por cento) do faturamento da empresa, que se realizou após resultarem negativos os leilões  sobre o bem anteriormente penhorado, não se mantendo, portanto, a constrição inicialmente efetivada.

(…)

9. Recurso especial provido para que, uma vez ultrapassado o requisito da intempestividade, o Juízo Singular prossiga na apreciação dos embargos do devedor que se dirigem contra a penhora do faturamento da empresa, devendo ser excluída a multa por embargos procrastinatórios. Acórdão submetido ao regime do artigo 543-C, do CPC, e da Resolução STJ 08/2008.

(REsp repetitivo nº 1.116.627/SP; Corte Especial; Rel. Min. Luiz Fux; julgamento de 02/12/2009; publicado em 04/02/2010 – Destacamos)

9 “A Lei n. 6.830/80 é diploma de caráter manifestamente híbrido: a um só tempo trata de questões de direito material e de direito processual; nesse último caso, quando veicula normas processuais, o faz sob diferentes perspectivas, ora tratando de temas gerais de processo (competência e legitimidade, por exemplo), ora de questões de ordem procedimental.

Pois bem, o reconhecimento de tais “capítulos”, por assim dizer, é absolutamente necessário para identificar com mínima precisão qual ou quais fragmento(s) da chamada “lei de execuções fiscais” teria(m), em relação ao Código de Processo Civil, força de diploma especial.

De um lado, podemos (e devemos) registrar que, quando veicula normas materiais (como as do art. 2º, caput, e seus parágrafos 3º e 5º), a Lei n. 6.830/80 em nada se relaciona com o Código de Processo Civil, circunstância que nos põe à parte de qualquer problema porventura decorrente de confronto desses dois planos normativos.

De outro, falando de normas propriamente processuais, a questão ganha tônus diverso: possível a formação, nesse capítulo, de situações de sobreposição de conteúdos, uns marcados por antagonismo (ou contradição), outros por redundância.

Necessário realçar, porém, que essas tais situações só são efetivas quando falamos de normas processuais gerais, assim como as de legitimidade passiva (art. 4º) e de competência (art. 5º); as regras veiculadas pela Lei n. 6.830/80 a propósito desses assuntos representam de fato normas especiais; a tempo de sua produção, com efeito, deram tratamento diverso do previsto na legislação (geral) então vigente, fazendo-o em função da particular (e óbvia) qualidade do credito que é cobrado por meio de tais ações.” Paulo Cesar Conrado. Execução fiscal, 3ª edição. São Paulo, Noeses: 2017, páginas 181/182.

10 Parte é vocábulo que, no âmbito do Direito Processual, serve para designar, de um lado, o sujeito que pede a prestação da tutela jurisdicional ao Estado-juiz e, de outro, o sujeito contra o qual essa mesma tutela é pedida. Fala-se, assim, em parte ativa, ou simplesmente autor (aquele que pede), e em parte passiva, ou simplesmente réu (aquele contra quem se pede). Paulo Cesar Conrado. Introdução à teoria geral do processo civil, 2ª ed., página 307. São Paulo, Max Limonad: 2003.

11 “Para a distinção entre “parte” e “terceiro”, colho e adoto a clássica orientação de Chiovenda no sentido de que é parte quem pede e contra quem se pede alguma espécie de tutela jurisdicional. É terceiro todo aquele que não pede ou contra quem nada se pede em

juízo. Partes são os não terceiros; terceiros são todos os que não são partes. O conceito de parte, nestas condições, é obtido pela negação de quem seja terceiros e vice-versa.

É proposta de classificação que me parece a mais útil para os fins deste trabalho, que busca analisar os terceiros em contraposição às partes. Entender que “parte” é todos aqueles que faz parte da relação processual – ou, de forma mais técnica, é todo sujeito do contraditório – é ampliar demasiadamente o objeto do trabalho e, para os fins propostos, frustrar de antemão a tentativa de identificação daqueles que são terceiros. Melhor restringi-la para quem “provoca” a jurisdição e perante que se pede a prestação da tutela jurisdicional.

Sim, porque os terceiros que interessam ao processo civil são aqueles que, em alguma medida, podem (ou devem) agir em juízo mas que, por qualquer motivo, ainda não “integram o contraditório”. Saber como e quando o “terceiro” pode atuar perante o juiz é problema que se põe imediatamente depois de compreender a que título resolveu ele intervir ou foi convocado para tanto,” Cassio Scarpinella Bueno. Partes e terceiros no processo civil brasileiro, páginas 2 e 3. São Paulo, Saraiva: 2003.

12 “O Título III do Livro III da Parte Geral do CPC de 2015 reúne cinco institutos sob o rótulo “intervenção de terceiros”, bastante diversos entre si, já que em duas dessas situações o terceiro interveniente continuará a sê-lo para todos os fins do processo (assistência e amicus curiae) enquanto nos demais, o terceiro passará a ser parte (denunciação da lide, chamamento ao processo e incidente de desconsideração da personalidade jurídica)”. Cassio Scarpinella Bueno. Comentários ao Código de Processo Civil, página 525. São Paulo, Saraiva: 2018.

13 Art. 130. É admissível o chamamento ao processo, requerido pelo réu:

  1. – do afiançado, na ação em que o fiador for réu;
  2. – dos demais fiadores, na ação proposta contra um ou alguns deles;
  3. – dos demais devedores solidários, quando o credor exigir de um ou de alguns o pagamento da dívida comum.

14 Art. 131. A citação daqueles que devam figurar em litisconsórcio passivo será requerida pelo réu na contestação e deve ser promovida no prazo de 30 (trinta) dias, sob pena de ficar sem efeito o chamamento.

15 Art. 6º – A petição inicial indicará apenas:

I – o Juiz a quem é dirigida; II – o pedido; e

III – o requerimento para a citação.

§ 1º – A petição inicial será instruída com a Certidão da Dívida Ativa, que dela fará parte integrante, como se estivesse transcrita.

§ 2º – A petição inicial e a Certidão de Dívida Ativa poderão constituir um único documento, preparado inclusive por processo eletrônico. (Destacamos)

16 A distinção entre “responsabilidade em sentido teórico-geral” e “responsabilidade em sentido jurídico-positivo” e feita na esteira e na companhia de Luis Cláudio Catanhede, cuja excelente Dissertação de Mestrado dedica um capítulo inteiro (Capítulo 3) à sistematização desta distinção, fazendo-o, no entanto, com amplitude diversa daquela que propomos em nosso trabalho. Luis Cláudio Catanhede. “Responsabilidade tributária e legitimidade passiva na execução fiscal”. Dissertação de Mestrado. PUC, São Paulo: 2015.

17 “A sujeição ao poder de exigir chama-se responsabilidade. Se perante o credor, será responsabilidade patrimonial; se perante o juiz, será a responsabilidade processual.

A primeira, a responsabilidade patrimonial, é de natureza civil e corresponde à figura do obligatio desenvolvida por Brins e que se assentou sob a simples designação de responsabilidade. É a teoria-matriz aplicada a partir da Tese Dualista das Obrigações que dissociou o débito da responsabilidade perante o crédito, sendo o débito entendido como o dever de prestar, e a responsabilidade o estado de sujeição dos bens ao poder de outrem, de maneira que a dívida seja um vínculo de pessoas e a responsabilidade um vínculo de patrimônio, pelo que o devedor obriga-se e o seu patrimônio responde. Ou de forma mais simples: o primeiro, o dever de prestar, e o segundo, a sujeição do poder de agressão do titular da pretensão.” André Fontes. A pretensão como situação jurídica subjetiva. Minas Gerais, Del Rey: 2002, página 45. (Destacamos)

18 Art. 121. Sujeito passivo da obrigação principal é a pessoa obrigada ao pagamento de tributo ou penalidade pecuniária. Parágrafo único. O sujeito passivo da obrigação principal diz-se:

  1. – contribuinte, quando tenha relação pessoal e direta com a situação que constitua o respectivo fato gerador;
  2. – responsável, quando, sem revestir a condição de contribuinte, sua obrigação decorra de disposição expressa de lei.

(Destacamos)

19 Vide nota 18.

20 Na relação jurídica em sentido estrito é a conduta modalizada que vincula os respectivos sujeitos-de-direito, sendo chamada, por este motivo, de objeto da relação jurídica. A regulação jurídica das condutas é feita de modo a afetar (juridicamente) os interesses de outro indivíduo, circunstância que pressupõe a conjugação de duas vontades: a vontade daquele que tem a conduta qualificada pela norma e, também, a vontade daquele sujeito cuja conduta permitirá que a primeira se realize. Neste sentido, a regulação direta de uma conduta, numa dada relação jurídica, pressupõe a regulação indireta de outra conduta atribuída ao sujeito que tem seus interesses jurídicos atingidos pela primeira. Esta regulação indireta, no entanto, ocorre no interior de outra relação jurídica: a chamada relação conversa ou inversa, cujo conteúdo (conduta) é diverso, porém complementar, ao encontrado na relação jurídica anterior.

21 No Código Civil de 2002, esta norma é veiculada pelo art. 189. No que diz respeito ao direito tributário, não há no Código Tributário Nacional um artigo que traga, expressamente, norma similar, circunstância esta que não induz a inexistência de uma “norma geral e abstrata de pretensão no direito tributário”.

22 André Fontes. Idem ibidem, página 40.

23 Tratado das Ações, Tomo I, pág. 52.

24 Falamos em “mera opção sistêmica” pois, basta que uma das propostas de “administrativização da execução fiscal” vingue no Congresso Nacional que o direito subjetivo à expropriação (pretensão) possa ser diretamente exercido pelo seu titular (Fazenda Pública), independentemente de interferência do Poder Judiciário.

25 “Cremos que Salvatore Pugliatti esquadrinhou de maneira original e grandiosa a natureza do problema e melhor resolveu a questão ao distinguir uma da outra, além de sustentar magistralmente que ambas (responsabilidade patrimonial e processual) estão vinculadas por conexão. A responsabilidade processual é a sujeição do patrimônio do devedor aos atos coativos e expropriatórios da execução forçada, e deve estar conexa à anterior situação da responsabilidade referente ao direito substancial.” André Fontes, idem ibidem, página 47.

26 “A responsabilidade processual, como observa SALVATORE PUGLIATTI, embora constitua, no processo executivo, situação autônoma de sujeição, deve estar conexa a anterior situação “de responsabilidade atinente ao direito substancial”.”José Frederico Marques. Manual de direito processual civil, v. 4. São Paulo, Saraiva: 1976, página 42.

27 Obrigação e responsabilidade são relações jurídicas que compõem um mesmo fluxo de causalidade jurídica, pois o fato jurídico necessário e suficiente ao nascimento de uma (responsabilidade) decorre, necessariamente, do descumprimento da outra (obrigação).

28 Sobre a inclusão do responsável patrimonial no polo passivo do processo executivo, a despeito de não integrar o polo passivo da relação processual executiva, confira-se a precisa observação de Roberta Dias Tarpinian de Castro:

Não se pode confundir os conceitos de sujeito passivo na relação obrigacional (devedor) com sujeito passivo no processo executivo. É possível ser sujeito passivo em uma execução sem que isso signifique ligação material com o débito, é exatamente o conceito de responsabilidade patrimonial secundária

(…)

“Os sócios são indiscutivelmente terceiros e que, embora não tenham relação com o direito material discutido em juízo, poderão ser sujeitos passivos na relação processual. No entanto, como no caso dos sócios de sociedade de responsabilidade limitada é preciso a demonstração de que houve abuso de personalidade jurídica e quem efetivamente abusou (a desconsideração da personalidade jurídica não atinge qualquer sócio), é primordial a dilação probatória.”

A função cautelar do incidente de desconsideração da personalidade jurídica na fase de conhecimento. Dissertação de Mestrado. PUC, São Paulo: 2017, páginas 90 e 105.

29 Vide nota 12.

30 A honrosa exceção é Paulo Cesar Conrado, que procura explicar essa patologia sob a ótica da natureza “esdruxulamente” constitutiva do ato de redirecionamento. “O redirecionamento como forma (esdruxula) de constituição da obrigação tributária (relativamente ao terceiro responsável) e de aparelhamento da lide executiva fiscal (contra aquele mesmo terceiro). Redirecionamento como forma (esdruxula) de constituição da obrigação tributária (relativamente ao terceiro-responsável) e de aparelhamento da lide executiva fiscal (contra aquele mesmo terceiro). In: Processo tributário analítico, vol. 2. 2ª Edição. Coord. Paulo Cesar Conrado. São Paulo, Noeses: 2016, páginas 195 a 208.

31 São justamente esses, aliás, os termos da questão legal discutida nos autos do REsp repetitivo nº 1.201.993/SP, onde restará definida a orientação jurisprudencial vinculante a ser observada no que tange ao marco temporal do prazo de prescrição para o redirecionamento da execução fiscal aos sócios.

32 Idem nota 30.

33 “Apenas as pretensões prescrevem; direitos subjetivos ou postestativos, por exemplo, estão fora do alcance dessa exceção.” André Fontes. Idem ibidem, página 40

34 Art. 4º – A execução fiscal poderá ser promovida contra:

(…)

V – o responsável, nos termos da lei, por dívidas, tributárias ou não, de pessoas físicas ou pessoas jurídicas de direito privado; e

35 Art. 790. São sujeitos à execução os bens:

(…);

VII – do responsável, nos casos de desconsideração da personalidade jurídica.

36 Art. 1º Esta Portaria regulamenta o procedimento administrativo para apuração de responsabilidade de terceiros pela prática da infração à lei consistente na dissolução irregular de pessoa jurídica devedora de créditos inscritos em dívida ativa administrados pela PGFN.

Art. 2º O Procedimento Administrativo de Reconhecimento de Responsabilidade – PARR será instaurado por iniciativa da unidade descentralizada da PGFN responsável pela cobrança de débito inscrito em dívida ativa em face de pessoa jurídica devedora.

Parágrafo único. O procedimento será realizado contra o terceiro cuja responsabilidade se pretende apurar e deverá indicar especificamente os indícios da ocorrência da dissolução irregular da pessoa jurídica devedora, devendo conter, no mínimo, as seguintes informações:

  1. – identificação da pessoa jurídica cuja dissolução irregular é apontada;
  2. – identificação do terceiro em face do qual o procedimento foi instaurado;
  3. – elementos de fato que caracterizaram a dissolução irregular da pessoa jurídica;
  4. – fundamentos de direito da imputação da responsabilidade pela dívida ao terceiro; e
  5. – discriminação e valor consolidado dos débitos inscritos em dívida ativa objeto do procedimento.

Art. 3º. Atendidos os requisitos previstos nesta Portaria, o PARR será iniciado mediante a notificação, por carta com aviso de recebimento, do terceiro ao qual se imputa responsabilidade, para, querendo, apresentar, no prazo de 15 (quinze) dias corridos, impugnação.

§ 1º Caso resulte frustrada a notificação de que trata o caput, esta será realizada por meio de publicação oficial.

§ 2º Será franqueada ao interessado, mediante acesso ao Centro Virtual de Atendimento da PGFN (e-CAC PGFN), disponível no sítio da PGFN na internet (www.pgfn.gov.br), a consulta ao procedimento instaurado, contendo os respectivos fundamentos e as informações relacionadas à cobrança.

Art. 4º. A impugnação deverá ser apresentada exclusivamente por meio do e-CAC da PGFN e deverá trazer elementos aptos para demonstrar a inocorrência de dissolução irregular ou a ausência de responsabilidade pelas dívidas.

§ 1º Será possível a juntada de documentos, devendo a impugnação, preferencialmente, ser instruída com:

  1. – Qualificação completa (nome, CPF, RG, profissão e estado civil) e endereço físico e eletrônico atualizado do impugnante;
  2. – Cópia dos documentos que comprovem o regular funcionamento da pessoa jurídica, como notas fiscais, livros contábeis e fiscais, extratos bancários, relação de empregados e comprovação do pagamento de tributos correntes; e
  3. – Outros documentos que infirmem os indícios de encerramento irregular das atividades da pessoa jurídica devedora ou demonstrem a sua ausência de responsabilidade em relação às dívidas em cobrança.

§ 2º A impugnação deverá se limitar à discussão objeto do PARR.

§ 3º Apresentada a impugnação, todas as comunicações ulteriores serão realizadas por meio do e-CAC PGFN, cabendo ao interessado acompanhar a respectiva tramitação.

Art. 5º. A impugnação será apreciada por Procurador da Fazenda Nacional em exercício na unidade descentralizada responsável pela inscrição em dívida ativa.

§ 1º A decisão será proferida no prazo de até trinta dias corridos, prorrogável por igual período.

§ 2º A decisão deverá conter motivação explícita, clara e congruente, com indicação dos fatos e dos fundamentos jurídicos que amparam a conclusão adotada, sem prejuízo da possibilidade de emprego da técnica de fundamentação referenciada.

Art. 6º. O interessado será notificado da decisão por meio do e-CAC da PGFN, sendo-lhe facultado interpor recurso administrativo no prazo de dez dias corridos, sem efeito suspensivo.

§ 1º O recurso administrativo deverá ser apresentado através do e-CAC PGFN e deverá expor, de forma clara e objetiva, os fundamentos do pedido de reexame, atendendo aos requisitos previstos na legislação processual civil.

§ 2º Caso a autoridade responsável pela decisão recorrida não a reconsidere, encaminhará o recurso à autoridade superior, que poderá, de ofício ou a pedido, atribuir efeito suspensivo ao recurso.

§ 3º A autoridade competente para o julgamento do recurso será o Procurador-Chefe da Dívida Ativa nas unidades Regionais, o Procurador-Chefe ou o Procurador-Seccional da unidade descentralizada, desde que estes não sejam os responsáveis pela iniciativa da cobrança ou pela decisão recorrida, hipóteses em que o recurso deverá ser submetido à respectiva autoridade imediatamente superior.

§ 4º O julgamento do recurso administrativo observará o disposto no § 2º do art. 5º.

§ 5º Importará renúncia à instância recursal e o não conhecimento do recurso eventualmente interposto, a propositura, pelo interessado, de qualquer ação judicial cujo objeto coincida total ou parcialmente com o do PARR.

Art. 7º Na hipótese de rejeição da impugnação ou do recurso administrativo, o terceiro será considerado responsável pelas dívidas.

§ 1º O disposto no caput implicará a sensibilização dos sistemas de controle da dívida ativa e poderá ter efeito sobre todos os débitos fiscais já inscritos em dívida ativa ou que vierem a ser, em cobrança judicial ou não, em nome da pessoa jurídica irregularmente dissolvida e dos corresponsáveis.

§ 2º A responsabilidade referida no caput somente poderá ser afastada em relação aos outros débitos fiscais não relacionados no PARR se demonstradas, fundamentadamente, peculiaridades fáticas ou jurídicas que infirmem a responsabilidade.

§ 3º A Secretaria da Receita Federal do Brasil poderá ser comunicada para adoção do procedimento de que trata o art. 31 da Instrução Normativa nº 1.634, de 06 de maio de 2016.

Art. 8º Sem prejuízo da competência das unidades descentralizadas, a Coordenação-Geral da Dívida Ativa da União (CDA) ou a Coordenação-Geral de Estratégias de Recuperação de Créditos (CGR) poderão instaurar o PARR.

Parágrafo único. Compete às unidades descentralizadas da PGFN, nos termos dos arts. 5º e 6º, a análise das impugnações ou dos recursos administrativos interpostos em face dos procedimentos instaurados na forma do caput.

Art. 9º O procedimento de que trata esta Portaria observará o disposto na Lei nº 9.784, de 29 de janeiro de 1999.

Parágrafo único. Deverá ser observado o disposto no parágrafo único do art. 2º da Portaria PGFN nº 180, de 25 de fevereiro de 2010, alterado pela Portaria PGFN nº 713, de 14 de outubro de 2011.

Art. 10. O disposto nesta Portaria não afeta as competências da Secretaria da Receita Federal do Brasil e dos demais órgãos de constituição de créditos cobrados pela PGFN.

Art. 11. Os casos omissos serão resolvidos pela Coordenação-Geral de Estratégias de Recuperação de Créditos da PGFN. Art. 12. Esta Portaria entra em vigor na data de sua publicação.

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