Recorribilidade da decisão sobre impugnação ao cumprimento de sentença

Recorribilidade da decisão sobre impugnação ao cumprimento de sentença

Por Camila Campos Vergueiro e Rodrigo Dalla Pria

Em artigos anteriores [1] veiculados nesta coluna, consignou-se que a sentença de procedência exarada em ação de repetição de indébito haverá de ser realizada, após transitada em julgado, pela via do procedimento de cumprimento de sentença prescrito nos artigos 534 e seguintes do CPC, o qual culminará em ordem de pagamento (precatório) a ser cumprida segundo os ditames do artigo 100 da CF.

A despeito de o procedimento de cumprimento de sentença contra a Fazenda Pública tenda à produção de atos de mero “acertamento” do quantum debeatur, não se pode perder de vista a prerrogativa de a Fazenda Pública impugnar a “pretensão executória” do autor, ocasião em que poderá arguir aquelas matérias que se encontram taxativamente enumeradas no artigo 535 do CPC.

Havendo impugnação ao cumprimento de sentença, “instaura-se verdadeira atividade cognitiva acerca das questões invocadas pelo executado” [2], por intermédio da qual o juízo analisará os fundamentos deduzidos e julgará a pretensão fazendária, podendo acolhê-la total ou parcialmente, dando lugar a pronunciamentos que poderão ser de improcedência do pedido, procedência parcial ou, ainda, procedência total da impugnação.

Uma vez que o artigo 1.015 do CPC determina que é cabível agravo de instrumento em face de decisões interlocutórias exaradas na fase de cumprimento de sentença e, ainda, que o artigo 1.009 c. c. o § 1º do artigo 203 do CPC dispõem que o ato decisório que põe fim à fase de conhecimento ou extingue a execução é a sentença (atacável por apelação), pairam dúvidas acerca do(s) recurso(s) a ser(em) utilizado(s) para impugnar os diferentes tipos de pronunciamentos decisórios que podem ser exarados por ocasião da apreciação da impugnação ao cumprimento de sentença contra a Fazenda Pública.

Para auxiliar-nos na solução desse problema, convocamos a orientação exarada no recurso especial 1.698.344/MG, a qual reconhece ser a apelação o recurso adequado para atacar a decisão de total procedência da impugnação e que resulta na extinção do procedimento de cumprimento de sentença, bem como que o agravo de instrumento é o recurso cabível em face das decisões de improcedência e parcial procedência da impugnação, ocasiões em que o cumprimento de sentença processar-se-á nos limites dessas decisões.

A racionalidade desse entendimento, queremos crer, está atrelada ao conteúdo do artigo 203 do CPC, cujos §§ 1º e 2º definem os conceitos de sentença e de decisão interlocutória. No primeiro escaninho (o da sentença) estão os pronunciamentos cujos conteúdos correspondam às matérias enumeradas nos artigos 485 ou 487 do CPC, e que tenham como efeito a capacidade de pôr fim à fase cognitiva ou extinguir a execução. No segundo escaninho (o das interlocutórias) estão, por exclusão, os demais atos decisórios que não estejam abarcados pelo conceito de sentença.

Sob essa premissa normativa, o que se verifica é que o STJ equiparou a procedência total da impugnação ao cumprimento de sentença à extinção total da execução, tal como disciplinada nos termos dos artigos 924, inciso III e 203, § 1º, ambos do CPC, atribuindo a esse ato decisório, portanto, a natureza de sentença, o que, por si só, justifica o manejo do recurso de apelação. Trata-se, não há dúvidas, de típico pronunciamento decisório que, ao apreciar as questões enumeradas no artigo 535 do CPC, tem o condão de afastar a pretensão executória e pôr fim ao procedimento de cumprimento de sentença, desafiando, assim, recurso de apelação.

E porque reconheceu (o STJ) que a decisão de parcial procedência ou improcedência da impugnação não encerra o cumprimento de sentença, tratou-a como decisão interlocutória, por isso sujeita a agravo de instrumento.

Tal entendimento, em nosso sentir, resolve o problema de qual recurso é cabível contra os diferentes tipos de pronunciamentos decisórios que podem resultar do julgamento da impugnação ao cumprimento de sentença, muito embora o precedente do STJ acima invocado não tenha exaurido todas as variáveis decisórias de possível verificação no julgamento da impugnação ao cumprimento de sentença [3].

Vale ressaltar, contudo, que a diretriz pretoriana é no sentido de que a apelação apenas pode ser interposta contra a decisão que afaste totalmente a pretensão “executiva” do contribuinte contra a fazenda pública. Em se tratando de decisão que não extinga totalmente o procedimento de cumprimento de sentença, seja porque acolhida parcialmente a impugnação, seja porque impugnada parcialmente a pretensão executória, recomendável a interposição de agravo de instrumento, haja vista tratar-se de pronunciamento decisório pertencente à classe das denominadas “decisões interlocutórias”.


[1] https://www.conjur.com.br/2021-out-24/processo-tributario-ainda-recuperacao-judicial-indebito-tributariohttps://www.conjur.com.br/2021-jul-11/processo-tributario-cumprimento-sentenca-conceito-processo-possiveis-impactos

[2] TUCCI. José Rogério Cruz e. In Recurso cabível contra decisão que julga procedente a impugnação. Disponível em https://www.conjur.com.br/2018-jul-10/paradoxo-corte-recurso-cabivel-decisao-julga-procedente-impugnacao

[3] Não fez referência, por exemplo, à hipótese de total procedência de impugnação parcial ao cumprimento de sentença, que se consagra típica decisão interlocutória justamente porque não extingue a “execução”, prosseguindo o cumprimento quanto à parte não impugnada.


Rodrigo Dalla Pria é advogado, doutor em Direito Processual Civil e Mestre em Direito Tributário pela PUC-SP, professor do programa de pós-graduação stricto sensu (mestrado) do Instituto Brasileiro de Estudos Tributários (Ibet), professor e coordenador do curso de extensão de “Processo tributário analítico” do Ibet, coordenador das unidades do Ibet em Sorocaba e Presidente Prudente e coordenador do grupo de estudos de “Processo tributário analítico” do Ibet.

Camila Campos Vergueiro é advogada, doutoranda pela Unimar, mestre em Direito Tributário pela PUC-SP, professora do curso de especialização do Instituto Brasileiro de Estudos Tributários (Ibet), do programa de pós-graduação lato sensu da Fundação Getúlio Vargas (FGV LAW) e do Complexo Educacional Damásio de Jesus, professora e coordenadora do curso de extensão e do grupo de estudos de “Processo Tributário Analítico” do Ibet.

Fonte: Revista Consultor Jurídico, 16 de outubro de 2022, 7h00

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