Por Daniel de Paiva Gomes e Eduardo de Paiva Gomes
Seguindo na análise de questões relacionadas à exigibilidade exaurida [1], após a delimitação dos sujeitos legitimados a pleitear a emissão da tutela reparadora [2], cumpre debruçarmo-nos sobre a controvérsia atinente ao prazo para exigir a restituição do indébito tributário.
O caput do artigo 168 do Código Tributário Nacional é claro ao estabelecer que o direito de pleitear a restituição extingue-se com o decurso do prazo de cinco anos [3]. A despeito da aparente simplicidade, surge, de imediato, o questionamento: estar-se-ia diante de prazo qualificado como decadencial ou prescricional?
Argumenta-se que o prazo teria natureza decadencial quando o direito à restituição do indébito tributário é exercido na esfera administrativa, sob o argumento de referir-se ao “exercício do direito material”. Por outro lado, estar-se-ia diante de prazo qualificado como prescricional na hipótese em que se refere ao “exercício do direito processual”, isto é, o ajuizamento da ação de repetição de indébito
Em que pese tal divergência, a nosso ver, a divisão dogmática parte de premissa equivocada. Isso porque, em verdade, a prescrição não se refere à “perda do direito ação”, mas, sim, à “perda do direito material de exigir o cumprimento da obrigação inadimplida (pretensão em sentido material)” [4].
Tanto é assim que o reconhecimento da prescrição resulta na prolação de sentença de mérito, nos termos do artigo 487, II, do Código de Processo Civil (CPC) [5]. Portanto, entendemos que o reconhecimento da prescrição fulmina o “direito material de exigir o cumprimento da obrigação inadimplida e, com ele, a própria responsabilidade patrimonial do devedor inadimplente” [6], não se confundindo com o singelamente conhecido “direito de ação”.
E o dito “direito material de exigir o cumprimento da obrigação inadimplida” é passível de ser exercido na esfera administrativa e, igualmente, no âmbito judicial. Assim, entendemos que o prazo previsto no artigo 168 do Código Tributário Nacional (CTN) é de envergadura prescricional.
Feitos tais esclarecimentos, a controvérsia gravita em torno dos termos a quo para contagem do lustro prescricional previstos nos incisos I e II do artigo 168 do Código Tributário Nacional [7]: 1) nos casos em que o indébito tributário tem como fundamento, em síntese, o pagamento indevido de tributo por qualquer razão que macule a regularidade do recolhimento (incisos I e II do artigo 165 do CTN), o prazo prescricional se inicia na data de extinção do crédito tributário; 2) caso o indébito decorra de reforma, anulação, revogação ou rescisão de decisão condenatória (no caso do inciso III do artigo 165 do CTN), o lustro prescricional é contado a partir da data em que se tornar definitiva a decisão administrativa ou passar em julgado a decisão judicial que tenha reformado, anulado, revogado ou rescindido a decisão condenatória [8].
Na primeira situação, estão inseridas todas as causas de extinção do crédito tributário previstas no artigo 156 do CTN, inclusive no que tange aos tributos constituídos mediante o denominado “lançamento por homologação”, em que a extinção, para fins de contagem do prazo prescricional, inicia-se desde logo com o pagamento, independentemente de sua homologação tácita ou expressa.
A segunda hipótese, por sua vez, traduz situação de difícil ocorrência pragmática, já que, via de regra, o direito ao indébito tributário não decorre de “decisão condenatória”, tendo em vista que a cobrança da dívida se faz, necessariamente, pelo manejo de execução fiscal aparelhada com título executivo extrajudicial.
Acreditamos que a referida hipótese retrata situação em que a exigência do crédito tributário pendente é realizado mediante o ajuizamento de ação ordinária de cobrança como ocorre com as contribuições parafiscais, tais como os “adicionais ao Sesi e ao Senai” [9]. Nesse caso, ter-se-ia uma decisão de cunho condenatório, satisfazendo, assim, o requisito estabelecido pelo referido artigo.
Assim, caso o contribuinte realize o pagamento de tributo por força de decisão condenatória que, posteriormente, venha a ser rescindida, o prazo para pleitear a devolução do indébito se inicia a partir do momento em que se torna definitiva a decisão que resultou na rescisão da decisão condenatória.
Além dos eventos deflagradores do prazo prescricional, é importante destacar que o prazo previsto no artigo 168 do CTN não é interrompido (e, portanto, reiniciado por inteiro posteriormente) caso o contribuinte decida exercer o direito à restituição pela via administrativa. Nesse sentido, inclusive, é a orientação do Superior Tribunal de Justiça fixada em sua Súmula 625 [10].
Dessa forma, se o contribuinte optou pela via administrativa para exercer o direito à restituição, o indeferimento do pleito não resulta na restituição, por inteiro, do lustro prescricional para ajuizar ação de repetição de indébito.
Nesse caso, ter-se-á regramento processual totalmente diverso. Se o pedido administrativo de restituição do indébito tributário for indeferido, o contribuinte não terá cinco anos para ajuizamento de ação de repetição de indébito, mas, sim, dois anos para ajuizamento da denominada “ação anulatória de decisão administrativa que denega restituição”, prevista no 169 do CTN [11].
Não podemos deixar de destacar, a nossa ver, a atecnia da legislação. Pensamos que não se está diante de “ação anulatória” propriamente dita, pois, em última análise, o contribuinte não pretende simplesmente “anular” a decisão administrativa. Em verdade, pretende-se a constituição da própria relação de indébito tributário, tutela reparadora tipicamente exarada nos autos da ação de repetição de indébito.
A atecnia da legislação impõe, ainda, outra adaptação interpretativa. Ao contribuinte deve ser garantido o direito de pleitear o indébito tributário, independentemente da via (se administrativa ou judicial), no prazo de cinco anos. Assim, se o pedido administrativo for indeferido em prazo inferior ao lustro prescricional, ao contribuinte deve ser garantido o exercício da pretensão no prazo restante ou, ao menos, em dois anos.
O parágrafo único do artigo 169 do CTN [12], por sua vez, trata de hipótese que seria uma espécie de “prescrição intercorrente”, impondo que seja interpretada como tal: somente com a inércia do autor da demanda judicial para a impulsionar é que o prazo prescricional será retomado por metade (um ano) em seu desfavor. Dessa forma, se a ação judicial não é impulsionada em razão da morosidade judiciária, não há que se falar na aplicação do referido dispositivo.
[1] https://www.conjur.com.br/2021-abr-27/opiniao-exigibilidade-exaurida-tutela-jurisdicional-reparadora.
[2] https://www.conjur.com.br/2021-jun-13/processo-tributario-repeticao-indebito-contexto-tributos-indiretos.
[3] “Artigo 168 – O direito de pleitear a restituição extingue-se com o decurso do prazo de cinco anos, contados”.
[4] PRIA, Rodrigo Dalla. Direito Processual Tributário. São Paulo: Noeses, 2020, p. 346.
[5] “Artigo 487 – Haverá resolução de mérito quando o juiz:
II – decidir, de ofício ou a requerimento, sobre a ocorrência de decadência ou prescrição”.
[6] PRIA, Rodrigo Dalla. Direito Processual Tributário. São Paulo: Noeses, 2020, p. 346.
[7] “Artigo 168 – (…)
I – nas hipótese dos incisos I e II do artigo 165, da data da extinção do crédito tributário;
II – na hipótese do inciso III do artigo 165, da data em que se tornar definitiva a decisão administrativa ou passar em julgado a decisão judicial que tenha reformado, anulado, revogado ou rescindido a decisão condenatória”.
[8] “Artigo 165 – O sujeito passivo tem direito, independentemente de prévio protesto, à restituição total ou parcial do tributo, seja qual for a modalidade do seu pagamento, ressalvado o disposto no § 4º do artigo 162, nos seguintes casos:
I – cobrança ou pagamento espontâneo de tributo indevido ou maior que o devido em face da legislação tributária aplicável, ou da natureza ou circunstâncias materiais do fato gerador efetivamente ocorrido;
II – erro na edificação do sujeito passivo, na determinação da alíquota aplicável, no cálculo do montante do débito ou na elaboração ou conferência de qualquer documento relativo ao pagamento;
III – reforma, anulação, revogação ou rescisão de decisão condenatória”.
[9] No mesmo sentido: PRIA, Rodrigo Dalla. Direito Processual Tributário. São Paulo: Noeses, 2020, p. 349.
[10] “O pedido administrativo de compensação ou de restituição não interrompe o prazo prescricional para a ação de repetição de indébito tributário de que trata o artigo 168 do CTN nem o da execução de título judicial contra a Fazenda Pública.” (Súmula 625, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 12/12/2018, DJe 17/12/2018)
[11] “Artigo 169 – Prescreve em dois anos a ação anulatória da decisão administrativa que denegar a restituição”.
[12] “Artigo 169 – (…)
Parágrafo único. O prazo de prescrição é interrompido pelo início da ação judicial, recomeçando o seu curso, por metade, a partir da data da intimação validamente feita ao representante judicial da Fazenda Pública interessada”.
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Daniel de Paiva Gomes é advogado em São Paulo, doutorando (PUC) e mestre (FGV Direito-SP) em Direito Tributário, especialista em Direito Tributário Nacional (PUC) e Internacional (IBDT), coordenador da subcomissão de Tributação da Economia Digital da Comissão Especial de Direito Tributário da OAB-SP, pesquisador do Instituto de Aplicação do Tributo (IAT), professor de cursos de extensão e pós-graduação lato sensu no Ibet e no IBDT, respectivamente, e pesquisador do grupo de estudos de Processo Tributário Analítico do Ibet.
Eduardo de Paiva Gomes é advogado em São Paulo, mestre em Direito Tributário pela FGV Direito-SP, especialista em Direito Tributário (PUC-Cogeae/SP), conselheiro suplente do Conselho Municipal de Tributos de São Paulo (CMT – biênio 2020/2022), professor do curso de pós-graduação em Direito Tributário do Instituto Brasileiro de Direito Tributário (IBDT), professor do curso de extensão “Processo Tributário Analítico” do Instituto Brasileiro de Estudos Tributários (Ibet) e pesquisador do grupo de estudos de Processo Tributário Analítico do Ibet.
Fonte: Revista Consultor Jurídico, 15 de agosto de 2021, 8h00